terça-feira, março 12, 2024

modelações XXV

 

 

 modelações XXV

A Palavra -  Ómega e hipsilon  Triptico
Óleo sobre tela 3x50x40 Anos 2000 
 

A escrita adormeceu no aparo, quero dizer, nos interstícios dos nervos, nas oscilações do imaginário; ficou distante como planta ainda no casulo da sua semente; 2024 já corre, e esta furtiva dedicação revestindo o alçapão cáustico do coração, estremece; pequenos gritos na incerteza delicada e amarga, pequenos nós na dúbia vontade, ao olhar enlaçado surpreendendo na ribanceira aquelas diminutas flores; o abanar balançante de metrónomo do pedúnculo, arquitecta o espaço em leque, solidificando-o no tempo; do ligeiro vento ao passar, soltam-se da sombra uns pontos vivos de amarelos limão sinalizando a viva luz, que se entrega à terra abnegada e sem remorsos. A escrita parte do elo que a atormenta, da liquidez da vontade, e como fio de neblina no sangue, ressurge – não está aposentada! É nas vísceras que o coração se exila, que os sentimentos adornam como as flores nas valetas; a garganta estrangula-se um pouco no recato da voz titubeante descendo aos precipícios; resta um amargo açúcar, e as suas vestes dançam num palco imaginário.


sábado, fevereiro 10, 2024

modelações XXIV

 

 modelações XXIV


 

 Estudo de mãos Desenho a grafite sobre papel

 21x28 Anos 80


Refresca esta minha agonia com o teu corpo alegre, musa dos cabelos de ouro; carrapito mar, nessa densa atmosfera dos teus ombros e pescoço de linho, ondulando na fímbria dum Agosto alado; neste patamar azulado de servidão aos olhos, com música da rua amarga, os leves passos dançam; teus gestos da minha aflição, jardim sem flores; nos regatos das horas que voam construímos amarras, ocos pássaros das madrugadas; papoilas flutuando sobre as águas dos meus itinerários, como cerejas brancas no inverno, a chuva bate; na esplanada este céu de nuvens dos olhos e bolor avulso; a tarde inicial dos sentidos brilhando despeja na atmosfera um doce dilúvio de refracção, – cálcio dos ossos delicados; sobre o tampo da mesa a mão abandonada ondula e cerze notas musicais; brandindo sobre os braços ecos e amarras, os murmúrios das águas acordam na pele os brandos louvores do zéfiro; é a tarde enrolada no devaneio dos sentidos, sobre a luminosidade que paira nos verdes marítimos, nos azuis celestes encostados aos horizontes da quietação; ela passa, quimera dor que abraçamos ternamente, os dedos abrem-se sobre a superfície metálica como asas querendo voar, e, inteiramente nus sossegam; na despedida um prosaico mastigar enlaçando as estrias doiradas e os minerais, o pão que do abandono resta e a bruma evanescente; imagens iluminando os minerais das sinapses articulam frases, pensamentos, restos obtusos de vermelhões das artérias; sobre o granito da gramática o verbo apazigua e dá colorido aos remorsos.      

 

 

 

sexta-feira, janeiro 19, 2024

modelações XXIII




Espaço decomposto

Desenho a grafite sobre papel 60x80 - Anos 90

 

Às vezes visito a multidão, sopro nesse desejo lavado de salmoira como a amêijoa na Ria Formosa; não sei se o azul é branco, ou, verde a cor do mar que cerca a angústia; não sei se a verdade se esconde atrás dos opúsculos da mente ou se o nariz espirra um tremor azedo; a água corre com o destino natural que se lhe deduz da líquida natureza, assim como a espiga nasce da semente e veste-se de sol; abrindo-se em torrentes de ondulações, viajando sobre as crateras da resistência, obrigada à certificação dos encantos de mãos abertas, a água, está! – evapora-se como a subtileza dos encontros ou ainda na dor dos mesmos se se eleva à altura das raízes do sal nos desencontros em suspensão; agarro então os corpos cheios ou vazios pela cintura das vozes que oiço, enquanto a multidão avança em segredo sobre planos de quinta-essência; nestes casos é natural que a razão se esconda atrás dos horizontes como as fontes no deserto; os saberes também se precipitam na noite amachucados pelas sombras virgens, pois jamais alcançaram a sua grandeza de pensamento, assim como a alegria dos sonhos; visito a multidão pelo lado de fora, pelo lado em que os corpos se esforçam por encontrar os êxtases dos destinos, refrescados pelas ondas marítimas que vão descendo pelos degraus das escadas rolantes, com os pés lavados em perfumes da abundância; –  que farei sozinho sem as mãos dadas aos laços da amizade! 

 

 

terça-feira, dezembro 26, 2023

modelações XXII

 

 

O Valado
 Desenho a grafite sobre papel manteiga 20.5x14 cm 2023
 

Sou a voz duma caminhada pelo ligeiro vento; o dia está claro a perder-se nas secas ervas, ou ainda, nos muros das pedras antigas e cinzentas; estar aqui é o troar sussurrante de um tempo antigo, de pastos maduros ao sol, de constelações de dias leves como penas, de longos desafios de nada; a correia do tempo percorrendo as veias silenciosas dos mares sem ociosas navegações, sem caprichos de ondas rolantes onde a tristeza breve esmorece ao contacto com os olhos; olhos abertos sem intrigas vorazes desafiando os monstros da imaginação, sem segredos cáusticos agitando os nervos deste corpo de luzes brandas, aqui pousadas; os muros enredados e sobreviventes aos destinos dos homens abrindo feridas de desmoronamento no silêncio das pedras calcinadas, abordam o espaço pelo lado de fora, trabalhando na extensão do olhar; – sou o teu músculo pousado e ferido alongando a consternada brevidade da vida, isto dizem, num silêncio calcinado de luz cinzenta endurecida por um tempo sem tempo, morto tempo!… nada há de tão breve como a fugidia noite enlaçando as sementes que rugem ou os castigos em ebulição, lamentam os valados enredados nas divagações campestres. 

quinta-feira, setembro 14, 2023

modelações XXI

 

 

 
 
Construção  Desenho a grafite sobre papel

 104x79 Anos 90


O risco atravessa o corpo, chega à mão, vê pela ponta dos dedos a densa brancura, que afaga; mede o espaço cintilante, e, absorve o sopro do mundo como um dédalo de vozes numa madrugada azul; o caminho das sombras constrói segredos, o objecto é a maldição do olhar, crispa a retina numa alucinação de desejos, – fortuitas forças ocultas; eleva o além à substância da forma; retém o – amor louco – desbravando o contorno e a densidade do elemento, exaltando as quinas do destino na deriva da mão assustada; naturalmente há um pouco de loucura na desenvoltura que anima a imaginação como uma pequena febre da efabulação dos astros, a manhã dourada de reflexos e pensamentos; é preciso oferecer ao ofício a ternura cristalina do olhar e fundir o ver com o pulso –, o pulso é o poema em elaboração; voz que absorve os invernos soturnos, os dias amachucados, os ventos solitários e vazios –, o pulso vive no circo e uma criança de olhos amadurecidos observa o impalpável: a crista do papagaio que dança, o trapezista que anima a expectativa desdobrando a ânsia em pavor, – medo reluzente; aéreo e volátil num nevoeiro de sensações ingentes e absurdas o pulso fragmenta o objecto numa surdez luminosa, – implacável reunião dos atritos; é o desenho animado da sua pureza animal onde certos sintomas da razão se acumulam, como os bagos da romã acrisolados debaixo da casca, aí anichados com os segredos da matéria; é doce e áspero quando se risca o papel de lantejoulas; esta nudez é um longo exercício com pólvora animal, uma força côncava do ombro que serpenteia no olhar com afagos de mel e encarniçamento; riscar é soltar as labaredas da emoção, farfalhas do coração aberto e volátil como um sopro de angústia num jardim de rosas; necessita-se do silêncio da fala para que a desenvoltura do risco evolucione, crie raízes encostadas à razão, e o que estando vazio e morto como uma pérola, brilhe com soluços transparentes; se a voz navega à bolina pelo contorno afora vive o sujeito no seu mostruário de loucura, soprando como um camaleão com a língua de fora e unhas de lápis aceso, – já alguma vez desenhaste?  

 

 

quinta-feira, agosto 03, 2023

modelações XX

 

 

 
Homem na praia
  Desenho à pena - caneta rotring sobre cartolina e guache
 30x30 Anos 80

     

Que lonjuras, que desenhos levam as tuas guedelhas à paisagem agreste? Nas lajes inscreveste os dias rascunhando no tempo de todas as horas; no horizonte de incerta luz, arriscando o norte da paixão, adoras o sol no apelo à lucidez, dormes na azinhaga dos louros imortais, fabricas os óleos crepitantes! Pisas os tojos daquele real de pedra dura, rastejando paulatinamente, crescendo na lenta agonia do álcool, mordido por uma dor de estrelas e abraços das folhas secas; cresces em profusa lentidão dos dedos com os olhos presos aos ventos, pisando as cinzas com adornos de cristais; que lonjuras são estas crescendo nas cinzas com a lingerie dos ecrãs; das paisagens digitalizadas e deslizantes, com holofotes vertendo lágrimas pelo rabo; os cristais virtuais insonorizam os degraus que sobem ao tecto do absinto, como os vícios depenados; eu ando, tu andas, nocauteando o alcatrão que nos rodeia com os olhos assustados ao redor dos nossos encontros; o peso disso sobra em lágrimas pelos cantos da casa, derramando sobre o pulso a dor, tanto ao amanhecer como ao chegar; o rasto que alegra os olhos perdeu-se como fogo-fátuo, esburacando o nosso tempo onde ratos nos visitam de mansinho como chuva miudinha,   

isto será hoje, ontem ou amanhã?

Verdes são os ânimos correndo licorosos por azuis invertebrados, neste manso campo de florestais sentimentos; retinir de emoções e glórias sem cristas, pousada voz entre as folhas adejantes como água nos subúrbios da sede, – meia dança nos corredores da aflição; corre pela mão da ventura este sangue opaco, doce e raivoso de anéis rumorosos; derramou a era dourada vícios sobre os ombros ao transido homem? da caverna abeirou-se a náusea como sangue voluntarioso, crescendo o espaço na dimensão infinita dum querer macio e rugoso; chegados aqui, desavindos na prontidão dos sentidos, coado o sol com nostalgia, o bezerro de ouro solfeja danças do apocalipse e fumos das chaminés de aço.

Estou vivo, entre o amor e a morte acordaste em mim a névoa dos acordes musicais, o longe como raio de saudade na distracção da memória; na ópera das viagens pelas palavras abrem-se os caminhos que não foram, como os que aqui chegaram com as ligaduras nas mãos; todas as árvores que se soltaram dos olhos e pousaram nos calendários, alargando a vida como esponja das emoções, ora de asas de condor ora violadas pelos segredos dos corpos, ou os signos dos astros, habitantes de – para além de mim, como íngremes sombras das galáxias eternas dos sóis e vulnerabilidades dos noivados e dos pássaros, deixaram violentas recordações de ruídos;

o sol abre o espaço com os rústicos medos sobre as lajes, o calor que se solta das mentes poderosas, intuem desígnios da escuridão; os corpos beijam a saudade por dentro e o riso que estala na madrugada une os verbos às emoções.   

 


sexta-feira, junho 23, 2023

modelações XIX

 

 

 

O viajante 2   Pintura a óleo sobre tela

73x100 Anos 90

 

   Rapsódia delirante, o caso que a febre da viagem e o destino incerto do amanhã criou na distancia subvertida, com o sono da angústia, nos passos da multidão; todos viajam, constroem casas sem tecto, dando abraços à mudança; um passageiro do absoluto estar em andamento, como pulga voadora nos lençóis do noivado entre a terra e os oceanos; tapando a consternação dos abismos embarca-se nesse frémito desnudado; a sombra dos músculos gémeos, os braços e pernas da trapezista voadora ou o tendão de Aquiles de sonhos gloriosos, abrindo os domingos cinzentos de pesar aos frémitos das viagens, inundando os calcorreares dos viajantes convergindo sobre os passeios, de admiração e estranheza; estou aqui e estou ali como sinal fulgurante desta existência passageira, mas trémula de ânsias espelhadas nos hercúleos tecidos do nosso corpo, num triângulo daquele vai e vem sem remorsos pela água, ar e pastagem; sinto a ânsia do pé descalço pelos meandros do mundo, esse globo oxidado pela respiração dos calamitosos pássaros, insurgentes de vícios penosos e desastradas sacudidelas; borboletas ainda não cristalizadas de olhos abertos às paisagens de céus azuis, pelos cumes das montanhas sem fogo, ondulando em abraços à ventania dos cumes, crinas dos cavalos vertiginosos das estepes; sujeito este olhar às contemplações dos mistérios da aventura num triturar de ossos ao vento, catadupa de circulações no ventre desta terra; adorável rasgar do silêncio, viajo, e nutro o berço das vozes, – vaga dor dos lumes; sem sustos da navegação aí estou nos mares encrespados, aí, estou viajando; sem cortiça nos olhos galgo a neve dos montes, com asas nos pés abraço as cidades NY, S. Petersburgo, Roma, e porque não Lisboa, cidade que o rio abraça em estremeção de reflexos de aurífera seda; de viés às colinas os sonhos do Atlântico emergem e nutrem a vagabundagem amorosa como sombras da solidão; não há raízes do absurdo viver de que não nasçam estímulos da abundância nos passeios ribeirinhos; não há ângulos recto de casebre que nos não pertença numa solicitação de pasmo e admiração; janelas abertas ou fechadas como maçãs maduras penduradas ao sol, do sonhar, ou mesmo fechadas como arbustos secos e erectos, ligar-nos-ão às videiras em repouso nos campos abertos, como soluços do coração; abaixo a tristeza, esse veneno sem préstimo como nódoa gordurosa na solenidade dos dias prestáveis e inolvidáveis; rebentos de fornicações sem freios solicitando-se desarmaguradamente cheios de mel das viagens pelos continentes, se – mesmo estes não estão quietos – como posso eu resistir às comichões do ver aqui e acolá? – olhar o mar daqui e dali como noiva sempre jovem, o bater de asa nas praias solarengas, riscar ócios sobre os relvados azuis, bebendo sumos sem invernos nas mãos; vou dançar com os joelhos nas nuvens e os pés nas estrelas, necessariamente sem que o ar se transforme em perfume de raiva e alucinação.